sexta-feira, 2 de março de 2018

Quais efeitos emocionais e psicológicos as transformações da puberdade geram na criança ou adolescente?


Os pré adolescentes e adolescentes tem, em geral, muitas dúvidas a respeito das transformações da puberdade.

Dúvidas sobre as mudanças do próprio corpo e do que ele vê e ouve dos amigos, sobre a normalidade de tudo isso. Toda e qualquer grande ou pequena mudança do corpo, nessa fase, pode gerar muita angustia. Se é normal o jeito que o seio está crescendo, ou sobre a normalidade da mudança da textura do saco escrotal, por exemplo. E a falta, a demora das mudanças também angustiam. 

Um grande sentimento de inadequação pode acompanhar essas mudanças, sendo muitas vezes compensado por uma postura mais arrogante, e de desprezo pelas convenções do mundo adulto. Outras vezes ele pode reagir a esse sentimento de inadequação fazendo bullying em colegas, de forma que ele se sinta mais seguro (pois o outro é que fica no lugar de esquisito, e ele pode ficar no lugar de normal).

Pode haver uma grande insatisfação com o corpo em transformação, e uma dificuldade em visualizar um processo. Assim, uma menina pode estar descontente com o tamanho dos seios, sem avaliar que o seu crescimento ainda não acabou. Ou pode se sentir gorda ao perceber que seu corpo ganha contornos femininos. Um menino pode se achar miúdo, não percebendo que seu corpo ainda está em processo de crescimento, e que ele pode ainda, naturalmente, ganhar massa muscular. 

Há também a alta exigência estética, e alguns estereótipos de beleza que os adolescentes buscam e se decepcionam muito por não corresponder. A auto estima pode ficar muito afetada, e não raro ele se sente feio.

O adolescente pode, muitas vezes, se sentir cobrado a corresponder a papéis de homem, ou mulher (as vezes papéis estereotipados), para se assegurar que estão crescendo. Ele pode corresponder a essa cobrança, buscando rapidamente fazer aquilo que lhe parece importante para garantir o seu lugar no mundo adulto, muitas vezes desrespeitando seu próprio ritmo. Um adolescente pode, por exemplo, beijar somente para provar que já cresceu, ao invés de guiado pelo desejo de experimentar o beijo, de se relacionar, de se envolver afetivamente. 

Muitas vezes o adolescente se culpa muito pelas suas novas sensações corporais e de prazer, pelos novos sentimentos que isso tudo desperta. Toda a sexualidade e desejo que surgem na adolescência podem assustar e angustiar bastante, principalmente quando ele não consegue encontrar com quem falar a respeito de tudo isso, e vai se isolando com suas próprias fantasias a respeito.

O amadurecimento do corpo e as novas sensações despertadas por esse amadurecimento aumentam muito a curiosidade do adolescente com relação a todas as questões sexuais. Ele quer entender e dominar o assunto teoricamente e depois, na prática. Quer conhecer as potencialidades novas do corpo, experimentar o prazer que esse novo corpo proporciona. As vezes a ansiedade em experimentar logo as novas sensações leva o adolescente a se atropelar, realizar atos impulsivos. Aqui, a informação e o diálogo ajudam muito a lidar com essa ansiedade.

A masturbação que antes era apenas uma forma local de prazer no próprio corpo, adquire um caráter erótico, passando a se realizar associada a fantasias. O adolescente (principalmente o menino, mas meninas também passam por isso) se torna facilmente excitável. E pode surgir angústia, culpa, fantasias e muitas perguntas envolvendo a masturbação, e o excesso de excitação. (Me masturbo todo dia. É perigoso? Sou tarado? Sou muito macho! Sou uma vagabunda? Só para exemplificar)

Essa experimentação das novas formas de prazer podem ser buscadas constantemente, podendo se transformar num importante foco do adolescente. Ele experimenta consigo mesmo, com fantasias românticas, imagens eróticas, com amigos, outros adolescentes (as vezes do mesmo sexo, sem querer, necessariamente, significar homossexualidade).

Mas também pode ser grande fonte de angústia o fato de não se ter experimentado ainda, por exemplo, o beijo. O adolescente fica confuso e preocupado com as razões pelas quais isso não acontece com ele. É difícil lidar com o tempo das coisas acontecerem, pois a ansiedade é grande. É difícil lidar com o que ele não controla, perceber que existe o outro, e o tempo do outro (a garota que ele gosta não quer ficar com ele, por exemplo). E ele não percebe que, muitas vezes, ele pode estar se boicotando de alguma forma, por não estar ainda realmente preparado para que isso ocorra. E aqui começam a se evidenciar e aumentar muitas das nossas dificuldades afetivas e de relacionamentos que podem se manter pela vida adulta. 

O adolescente tem agora a capacidade de compreender o sexo e a sexualidade de uma forma nova, pois o seu corpo lha dá a base para essa nova compreensão. Por exemplo, tezão é uma palavra que ele sabe o que significa por senti-lo, não apenas uma palavra que ele tenta decifrar teoricamente. Ele se torna malicioso. O mundo, as palavras, ficam muito sexualizados, tudo passa a ter duplo sentido, um sentido sexual. Ele se sente dominando uma nova linguagem, que antes era exclusiva do mundo adulto. Mas nem sempre ele domina tanto quanto gostaria, e não percebe isso, podendo se colocar em situações de risco, até mesmo de abuso. Como uma menina que já está com corpo de mulher e se sente muito poderosa ao despertar olhares nos homens, e usa dessa sensação de poder o tempo todo, mas sem ainda ter compreendido exatamente o que ela desperta além dos olhares.

Essa nova possibilidade de ler o mundo sobre uma ótica mais sexual também leva o adolescente a reinterpretar os fatos, memórias, lembranças, afetos já vividos por ele, desde a infância. Nessa reinterpretação ele pode dar significados difíceis de serem digeridos por ele, sofrendo com isso, apresentando sintomas de que algo não vai bem, ou até adoecer psiquicamente.

Por todas essas questões e muitas outras, mais individuais, as transformações da puberdade são um momento muito delicado da vida, podendo ser mais fácil atravessa-las quando o adolescente encontra espaços de diálogo com adultos de confiança (pais, professores, tios, avós, por exemplo), que podem informar, questionar, acompanhar todo esse processo. 

É importante ressaltar que diálogo pressupõe falar e ouvir. Ouvir o adolescente nas suas histórias, suas questões, suas fantasias, suas angústias é muito importante para que esse processo seja vivido com mais tranquilidade, e menos isolamento. 

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