Meninos gostam de carrinhos, meninas gostam de
bonecas. Esses gostos são facilmente explicáveis pela cultura; afinal,
desde que nascem as crianças são estimuladas pela sociedade a adotarem o
comportamento típico de seu gênero. Será então que as meninas

brincam de boneca e os meninos de carrinho porque são dados a eles esses brinquedos?
Se
eles vivessem em um mundo sem diferenciação, em que pais não
estimulassem seus filhos a brincar de certas formas e com determinados
brinquedos, o que aconteceria?
Antes de
responder à questão, gostaríamos que você imaginasse o seguinte
experimento. Suponha que pesquisadores dessem a macacos fêmeas e machos
brinquedos humanos, tais quais bonecas, carrinhos e livros. O que você
acha que aconteceria?


Esse
experimento foi feito. Pesquisadores deram esses brinquedos a 44
macacos-vervet machos e 44 fêmeas e depois avaliaram as suas
preferências por cada brinquedo, medindo quanto tempo passavam com cada
um. As análises estatísticas demonstraram que os machos mostraram um
interesse significativamente maior pelos brinquedos considerados
masculinos e as fêmeas, pelos femininos. E os dois sexos não
demonstraram diferenças na preferência pelo livro (Miller &
Kanazawa, 2007).
O velho domínio masculino

De
acordo com uma história antiga o homem foi feito primeiro por Deus e a
mulher era apenas parte de seu corpo, mais precisamente sua costela. A
grande ironia nessa história é que a Biologia moderna mostrou que o
default do programa genético fetal é o desenvolvimento de um corpo
feminino, ou seja, se seis semanas após a concepção o cromossomo Y não
desencadear uma certa proteína, um feto feminino será gerado
automaticamente (Pinel, 2005). Sim, nesses termos, é como se o homem
saísse da “costela” da mulher.

A
lenda bíblica revela a supremacia masculina que têm ocorrido há tempos,
em que homem é sinônimo de ser humano. O feminismo do século passado
foi uma reação a esse domínio, e graças a esse movimento e a outras
mudanças sociais as mulheres alcançaram grandes conquistas. Junto com
tudo isso, porém, surgiu uma tendência que continua até hoje: a de se
negar as diferenças entre homens e mulheres. As únicas diferenças que
não estão envolvidas em polêmicas acaloradas são as que se referem aos
aparelhos genitais.
A negação da natureza humana

O
gênero de um indivíduo é uma de suas dimensões mais essenciais.
Trata-se da primeira característica que notamos em outro indivíduo, e
isso nos fornece modos de nos comportar frente ao outro. Cada gênero tem
uma forma de se vestir, de agir, de se relacionar e ele é um
referencial para a nossa identidade. Tamanha é esta importância, não se
limitando somente à nossa cultura, que em grande quantidade dos idiomas
da Terra os pronomes são declinados com base no gênero do substantivo ao
qual se referem. Em todas as culturas humanas, homens e mulheres são
vistos como possuidores de naturezas diferentes.
Todas
as culturas dividem o trabalho por sexo, com mais responsabilidade pela
criação dos filhos para as mulheres e mais controle das esferas pública
e política para os homens. Essa divisão de trabalho emergiu mesmo em
uma cultura em que todos haviam se comprometido a erradicá-la, os
kibutzim israelenses (Pinker, 2004). Dada tão grande influência seria de
se esperar que as ciências do homem, sejam as sociais ou as da saúde,
se ocupassem grandemente com o estudo das particularidades de cada sexo.

Surpreendentemente
durante grande parte do século XX, em que as ciências em geral se
desenvolveram de forma nunca vista na história da humanidade, não só os
estudos das diferenças entre gênero foram raros como muito esforço foi
feito no sentido de provar que tais diferenças eram somente de ordem
cultural e que, por esse motivo, poderiam (e deveriam) ser eliminadas. A
“negação contemporânea da natureza humana” (Pinker, 2004) encontra
terreno fértil no campo dos gêneros.
Evidências

Falar
em genes e biologia com relação às diferenças comportamentais entre os
sexos foi, por muito tempo, uma heresia. Todas as supostas diferenças
entre meninos e meninas seriam devidas à criação, a uma sociedade
machista que faria imposições comportamentais de modo que a dominação
masculina continuasse. Contudo, diversos estudos mostram que muitas das
diferenças comportamentais dos sexos podem ser devidas a nossa natureza.

As
diferenças entre meninos e meninas já aparecem no primeiro dia de vida.
Simon Baron-Cohen e colegas realizaram um experimento com bebês de um
dia de idade. Apresentaram simultaneamente a fotografia do rosto de uma
mulher e um móbile mecânico a 102 bebês recém-nascidos, sem saber o sexo
de cada um. Isso foi filmado e uma comissão julgadora avaliou em qual
objeto cada bebê prestou mais atenção, e somente depois de tudo foi
revelado o sexo dos bebês. A análise mostrou que mais meninos preferiram
olhar para o móbile mecânico e as meninas, para o rosto (Miller &
Kanazawa, 2007).

Experiências
realizadas com crianças de aproximadamente dois anos demonstram que,
nessa idade, o individuo não tem a noção exata dos estereótipos. Quando
questionado a respeito de quais brinquedos são classificados como de
meninas ou de meninos, ele não é capaz de identificar carrinho como
sendo de garoto ou boneca como sendo de garota. Mas quando questionado a
respeito de sua preferência, a menina escolhe bonecas e o menino
escolhe carrinhos (Baron-Cohen, 2003).

Pesquisas
mostram o que o senso comum já sabia: que os homens demonstram maior
tendência a realizarem sexo casual, ou seja, sexo sem envolvimento
afetivo prévio. A maioria dos homens também desejara ter um número maior
de parceiras sexuais, teria um maior desejo por variedade sexual (
Varella, 2007).
Além
disso, temos o experimento citado no início, que revela que as
diferenças entre os sexos são compartilhadas pelos macacos. Os macacos
do experimento não foram socializados por humanos e jamais haviam visto
aqueles brinquedos antes. Se as diferenças entre os sexos fossem apenas
culturais, deveriam variar muito conforme a sociedade e a espécie, e não
é o que os estudos revelam.Em todas as sociedades humanas conhecidas, e
entre muitas espécies, principalmente entre os mamíferos, os machos
são, em média, mais agressivos, violentos e competitivos, e as fêmeas,
em média, mais sociáveis, atenciosas e dedicadas à criação, nutrição e
educação (Pinker, 2004; Miller & Kanazawa, 2007).
Isso significa que nada é cultural?

Voltando
à pergunta do início, meninos brincam de carrinho e meninas de boneca
porque são dados a eles esses brinquedos? A resposta é sim. Porém são
dados a eles esses brinquedos porque gostam deles. Os pais provavelmente
mais reagem aos gostos das crianças do que os causam (Baron-Cohen,
2003).
Além disso, a oposição entre
natureza e criação é falsa. A criação reforça a natureza. Não é possível
afirmarmos que a sociedade é a única responsável pelo fato de que
meninos e meninas diferem significativamente entre si. Causa e efeito
são provavelmente circulares. As pessoas tanto gostam de fazer aquilo em
que elas acham que são boas como são boas no que gostam de fazer
(Ridley, 2003).
[Meninos]
gostam mais de brinquedos, armas, competição e ação do que bonecas,
romance, relacionamentos e famílias. É claro que eles não vêm ao mundo
com todas essas preferências plenamente formadas, mas nascem com alguma
preferência inefável a se identificarem com coisas de meninos. Isso é o
que a psicóloga infantil Sandra Scarr chamou de “escolha de nicho”: a
tendência de escolher a criação que é adequada a sua natureza (Ridley, 2003, p. 80-81).
Portanto,
a resposta à questão “as diferenças entre homens e mulheres são
culturais?” é sim. Mas não só. O problema não está em admitir o papel da
cultura, que é óbvio, o problema é negar o papel da nossa biologia.
Falácias

A
polêmica em torno dos estudos com base genética/cerebral/biológica
envolve muitas concepções equivocadas. A primeira delas já vimos, que é
colocar natureza e criação como excludentes. Outras envolvem falácias
que concernem ao “ser” e ao “dever ser”.
Será
que o que é natural é necessariamente bom? A falácia naturalista, termo
cunhado pelo filósofo inglês George Edward Moore no início do século
XX, embora tenha sido identificada bem antes por Hume, é o salto do ser
para o dever ser, ou seja, a tendência a acreditar que o que é natural é
bom; que o que é deve ser. Por exemplo, pode-se cometer o erro da
falácia naturalista e dizer: “Como as pessoas são geneticamente
diferentes e dotadas de diferentes habilidades e talentos inatos, elas
devem ser tratadas de forma diferente” (Miller & Kanazawa, 2007).
Já
a falácia moralista é o oposto da falácia naturalista. Refere-se ao
salto de dever ser para o ser, a alegação de que o modo como as coisas
deveriam ser é o modo como são. É a tendência de acreditar que o que é
bom é natural; o que deve ser é. Por exemplo: “Como todos devem ser
tratados igualmente, não existem diferenças genéticas inatas entre as
pessoas”. Ridley a chama de falácia naturalista reversa.

Tanto
a falácia naturalista quanto a moralista estão envolvidas na negação
das diferenças entre homens e mulheres. No primeiro caso, negam-se
estudos de base genética porque há um grande medo de que se for
confirmado que existem diferenças naturais entre os sexos, logo é
correto tratá-los de forma diferente. No segundo caso, negam-se estudos
de base genética porque não pode haver diferença genética alguma, já que
todos devem ser tratados igualmente. De acordo com Miller &
Kazanawa (2007) a falácia moralista tem sido um problema muito maior do
que a falácia naturalista em discussões acadêmicas.
Estereótipos

Os estudos também são rechaçados por se considerar que fortalecem estereótipos.
Não
se pode descartar uma observação por considerá-la um estereótipo - como
se isso, repentinamente, a tornasse uma inverdade, que não merece
discussão ou explicação. Muitos estereótipos são generalizações
empíricas com uma base estatística e por isso, em média, tendem a ser
verdadeiros. O único problema com estereótipos e generalizações
empíricas é que eles nem sempre são verdadeiros para todos os casos
individuais. Sempre existem exceções individuais para estereótipos.
Existem muitos pais dedicados e mulheres criminosas, mesmo que as
generalizações ainda sejam verdadeiras.
O perigo está na aplicação das generalizações estatísticas a casos individuais, que podem ou não ser exceções (Miller & Kazanawa, 2007).
As generalizações sobre um sexo sempre serão falsas para muitos indivíduos (Pinker, 2004).
Os
estudos normalmente se referem a médias, isso significa situar um
grupo, e não um indivíduo em particular. Muitas pessoas não se encaixam
nas médias, e isso não é algo condenável. Ninguém tem a obrigação de se
ajustar aos parâmetros médios do seu gênero.
Diferença e desigualdade

Outra
noção corrente é a de que homens e mulheres somente terão direitos
iguais se forem exatamente iguais. Em última instância, ninguém é igual.
As pessoas da mesma idade, da mesma classe econômica, da mesma cidade
podem ser parecidas, mas exatamente iguais não são. Nem mesmo gêmeos
idênticos são idênticos em seus traços de personalidade, no modo de se
vestir, nos gostos, nas crenças etc. A singularidade é uma regra entre
os humanos. E apesar disso, existem várias leis que concernem a grupos,
como idosos, crianças, motoristas, mulheres, aposentados etc.
Isso
se relaciona com a idéia de que a diferença implique necessariamente em
desigualdade. Não se pode achar que escondendo ou negando as diferenças
é que a igualdade será conquistada. A afirmação de que existe diferença
entre as pessoas não é contraditória com a igualdade de direitos, pois
todos somos diferentes. Essa onda de negação das pesquisas sobre homens e
mulheres é uma tentativa de se evitar que a igualdade não seja
conquistada. Todavia, não é suprimindo diferenças e nem forçando uma
igualdade de comportamento que se conquista a igualdade de direito e de
respeito. Forçar uma igualdade de comportamento é que é cruel.
Os
estudos das diferenças não afirmam que os atributos típicos de um dos
gêneros sejam intrinsecamente superiores aos do outro. É um equívoco
comum acreditar que as conclusões de estudos fornecem uma base para a
discriminação, afirmando qual sexo é melhor e qual é pior. Estudar as
diferenças comportamentais entre homens e mulheres não acarreta,
necessariamente, discriminação. As pesquisas sérias não são feitas com
esse intuito. As áreas das ciências cognitivas, das neurociências, e até
mesmo da medicina, por exemplo, têm avançado muito nos últimos anos no
estudo das diferenças entre homens e mulheres, tanto no que diz respeito
ao comportamento quanto à anatomia, mecanismos neuronais, influências
hormonais, entre outros. Tais avanços promovem mudanças no sentido de
tratar os corpos de homens e mulheres mais de acordo com as suas
singularidades.
O medo,
evidentemente, é que diferença implique desigualdade – de que se os
sexos diferem em qualquer aspecto, os homens teriam de ser melhores, ou
mais dominantes, ou ficar com toda a diversão (Pinker, 2004).
Um
sexo nunca será melhor que o outro e, embora um sexo possa ser melhor
em determinado ramo de habilidades, isso de maneira nenhuma serve para
generalizar, julgando-o como superior. Algumas pessoas consideram que
exaltar as diferenças entre gêneros diminui as mulheres, entretanto
achar que as características típicas dos homens são melhores que as das
mulheres é o maior machismo de todos.
Além disso, homens e mulheres são muito mais semelhantes do que diferentes. Não somos idênticos, mas
Homens
e mulheres possuem todos os mesmo genes, com exceção de um punhado no
cromossomo Y, e seus cérebros são tão semelhantes que é preciso um
neuanatomista com olho de águia para enconstrar as pequenas diferenças
entre eles. Seus níveis médios de inteligência são iguais, segundo as
melhores estimativas psicométricas, e eles usam a linguagem e pensam
sobre o mundo físico e vivo da mesma maneira geral. Sentem as mesmas
emoções básicas e ambos gostam de sexo, buscam parceiros conjugais
inteligentes e gentis, sentem ciúme, fazem sacrifícios pelos filhos,
competem por status e parceiros sexuais e às vezes cometem agressão ao
se empenhar por seus interesses (Pinker, 2004).
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