Uma
só palavra ou teoria não seria capaz de abarcar todos os processos e
experiências históricas que marcaram a formação do povo brasileiro.
Marcados pelas contradições do conflito e da convivência, constituímos
uma nação com traços singulares que ainda se mostram vivos no cotidiano
dos vários tipos de “brasileiros” que reconhecemos nesse território de
dimensões continentais.
A primeira marcante mistura aconteceu no
momento em que as populações indígenas da região entraram em contato com
os colonizadores do Velho Mundo. Em meio ao interesse de exploração e o
afastamento dos padrões morais europeus, os portugueses engravidaram
várias índias que deram à luz nossa primeira geração de mestiços. Fora
da dicotomia imposta entre os “selvagens” (índios) e os “civilizados”
(europeus), os mestiços formam um primeiro momento do nosso variado
leque de misturas.
Tempos depois, graças ao interesse
primordial de se instalar a empresa açucareira, uma grande leva de
africanos foi expropriada de suas terras para viverem na condição de
escravos. Chegando a um lugar distante de suas referências culturais e
familiares, tendo em vista que os mercadores separavam os parentes, os
negros tiveram que reelaborar o seu meio de ver o mundo com as sobras
daquilo que restava de sua terra natal.
Isso não quer dizer que eles viviam uma
mesma realidade na condição de escravos. Muitos deles, não suportando o
trauma da diáspora, recorriam ao suicídio, à violência e aos quilombos
para se livrar da exploração e elaborar uma cultura à parte da ordem
colonial. Outros conseguiam meios de comprar a sua própria liberdade ou,
mesmo sendo vistos como escravos, conquistavam funções e redes de
relacionamento que lhes concediam uma vida com maiores possibilidades.
Não se limitando na esfera de contato
entre o português e o nativo, essa mistura de povos também abriu novas
veredas com a exploração sexual dos senhores sobre as suas escravas. No
abuso da carne de suas “mercadorias fêmeas”, mais uma parcela de
inclassificáveis se constituía no ambiente colonial. Com o passar do
tempo, os paradigmas complexos de reconhecimento dessa nova gente passou
a limitar na cor da pele e na renda a distinção dos grupos sociais.
Ainda assim, isso não impedia que o
caleidoscópio de gentes estabelecesse uma ampla formação de outras
culturas que marcaram a regionalização de tantos espaços. Os citadinos
das grandes metrópoles do litoral, os caipiras do interior, os caboclos
das regiões áridas do Nordeste, os ribeirinhos da Amazônia, a região de
Cerrado e os pampas gaúchos são apenas alguns dos exemplos que escapam
da cegueira restritiva das generalizações.
Enquanto tantas sínteses aconteciam sem
alcançar um lugar comum, o modelo agroexportador foi mui vagarosamente
perdendo espaço para os anseios da modernização capitalista. A força
rude e encarecida do trabalho escravo acabou abrindo espaço para a
entrada de outros povos do Velho Mundo. Muitos deles, não suportando os
abalos causados pelas teorias revolucionárias, o avanço do capitalismo e
o fim das monarquias, buscaram uma nova oportunidade nessa já
indefinida terra brasilis.
Italianos, alemães, poloneses, japoneses,
eslavos e tantos mais não só contribuíram para a exploração de novas
terras, como cumpriram as primeiras jornadas de trabalho em ambiente
fabril. Assim, chegamos às primeiras décadas do século XX, quando nossos
intelectuais modernistas pensaram com mais intensidade essa enorme
tralha de culturas que forma a cultura de um só lugar. E assim, apesar
das diferenças, frestas, preconceitos e jeitinhos, ainda reconhecemos o
tal “brasileiro”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário