Ao falar sobre o feminismo no Brasil,
devemos inicialmente falar sobre a situação da mulher em nossa
sociedade. Durante vários séculos, as mulheres estiveram relegadas ao
ambiente doméstico e subalternas ao poder das figuras do pai e do
marido. Quando chegavam a se expor ao público, o faziam acompanhadas e
geralmente se dirigiam para o interior das igrejas. A limitação do ir e
do vir era a mais clara manifestação do lugar ocupado pelo feminino.
A transformação desse papel recluso
passou a experimentar suas primeiras transformações no século XIX,
quando o governo imperial reconheceu a necessidade de educação da
população feminina. No final desse mesmo período, algumas publicações
abordavam essa relação entre a mulher e a educação, mas sem pensar em um
projeto amplo a todas as mulheres. O conhecimento não passava de
instrumento de reconhecimento das mulheres provenientes das classes mais
abastadas.
Chegando até essa época, as aspirações
pelo saber existiam, mas não possuíam o interesse de subverter ou
questionar a ordem imposta pelo mundo dos homens. No século XX, os
papéis desempenhados pela mulher se ampliaram quando algumas destas se
inseriram em uma sociedade industrial, onde assumiram uma gama diversa
de postos de trabalho. Apesar disso, a esfera da mulher ligada ao lar
continuava a ter sua força hegemônica.
Aqui tínhamos uma diversificação dos
feminismos que iam da tendência bem comportada até o feminismo mais
incisivo. Nesse quadro, observamos a mobilização de mulheres que exigiam
o seu direito à cidadania sem questionar os outros papéis subalternos
assumidos pelas mesmas. Na outra extremidade, vemos mulheres que
reivindicam sua ampliação na vida pública, a defesa irrestrita do
movimento dos trabalhadores e a consolidação dos princípios de lutas
comunistas.
Entre as décadas de 1930 e 1960, as
manifestações feministas oscilavam mediante as mudanças desenvolvidas no
cenário político nacional. Em 1934, o voto feminino fora reconhecido
pelo governo de Getúlio Vargas. Já em 1937, os ideais corporativistas do
Estado Novo impediram a expressão de movimentos de luta e contestação
de homens e mulheres. Nos anos de 1950, a redemocratização permitira a
flexibilização da exigência que condicionava o trabalho feminino à
autorização marital.
A revolução dos costumes engendrada na
década de 1960 abriu caminho para que o feminismo se tornasse um
movimento de maior força e combatividade. Mesmo sob o contexto da
ditadura, as mulheres passaram a se organizar para questionarem mais
profundamente seu papel assumido na sociedade. A problemática dos
padrões de comportamento passou a andar de mãos dadas com os ideias de
esquerda que inspiravam várias participantes desse momento.
Vale aqui ressaltar que a luta pela
equidade entre os gêneros acabou criando dilemas significativos em
relação à mulher feminista. Lutar pelos direitos da mulher, em muitos
momentos, parecia ser a demonstração que a mulher poderia simplesmente
assumir os mesmos lugares e comportamentos antes privados ao mundo
masculino. Dessa forma, a subjetividade feminina era deixada de lado
para favorecer um ideal de que a “verdadeira feminista” deveria ser
combativa e, ao mesmo tempo, embrutecida.
Quando atingimos o processo de
redemocratização do país, observamos que o feminismo passou por uma
reorganização contrária a uma tendência unificadora. Uma espécie de
“feminismo temático” apareceu em instituições que tratavam de demandas
específicas da mulher. Em certo sentido, o feminismo tomava para si não
só a participação na esfera política, mas também se desdobrava no debate
de questões e problemas de ordem mais concreta e imediata.
Dessa forma, chegamos à atualidade vendo
que a ação feminista não mais se comporta apenas na formação de
movimentos organizados. Sendo assim, a intenção de se pensar sobre as
necessidades da mulher não mais atravessa a dificuldade de se criar um
projeto amplo e universalista. Entre as grandes e pequenas demandas, as
mulheres observam que a conquista de sua emancipação abre portas para a
compreensão e a resolução de outros novos desafios.
Fonte: BrasilEscola
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Feminismo no Brasil: atual e atuante
Uma pesquisa nacional, realizada pela Fundação Perseu Abramo em 2001, por exemplo, revelou que enquanto apenas 28% das entrevistadas se identificaram como “feministas”, 90% do total reconheceram a existência do machismo na sociedade brasileira, como o poder dos homens sobre as mulheres e seus efeitos nocivos. As respondentes também demonstraram percepções bastante realistas sobre a condição das mulheres em nossa sociedade. A grande maioria (65%) afirmou que a vida das brasileiras melhorou muito nos últimos vinte, trinta anos. Elas definiram que “ser mulher”, hoje, significa poder entrar no mercado de trabalho e ganhar independência econômica; e ter autonomia para tomar decisões e agir de acordo com seus desejos. Reconheceram, também, que as brasileiras conquistaram importantes direitos, pelo menos formalmente, embora ainda precisem lidar com a dupla jornada de trabalho, a maior responsabilidade em relação aos filhos, e com o tremendo peso da violência doméstica. Quer dizer, elas estão conscientes dos avanços e do que ainda é preciso conquistar. Parece mesmo que, apesar do preconceito que aqui ainda vigora em relação às feministas, as brasileiras estão “chegando para o feminismo”.
É bom observar que o feminismo no País também vem se modificando substancialmente nas últimas décadas. Aliás, diversificou-se tanto a ponto de ser necessário falarmos hoje de “feminismos”. Assim mesmo, no plural. Deixou de ser um movimento basicamente de mulheres brancas, de classe média, para incorporar brasileiras de diferentes setores da sociedade. Com elas, vieram novas demandas.
A Plataforma Política Feminista de 2002, formulada por diferentes organizações feministas no País, reflete essas transformações. De igual maneira, os Planos Nacionais de Políticas para Mulheres (PNPMs), também resultantes de conferências nacionais (realizadas em 2004 e 2007), incorporaram novas demandas das mulheres. Essas conferências mobilizaram mais de 300.000 brasileiras por todo o território nacional em eventos municipais e estaduais. Mulheres militantes em diferentes movimentos sociais, ao lado de delegadas de governo, estiveram presentes nessas conferências e formularam as diretrizes para os PNPMs. Elas trazem a marca dos nossos feminismos: reconhecem a diversidade entre as mulheres e combatem as desigualdades, no enfrentamento ao sexismo, ao racismo, ao etarismo, à homofobia, à lesbofobia e às desigualdades de classe reinantes na sociedade.
Até nosso “feminismo de Estado”, representado pelos conselhos, coordenadorias e secretarias de políticas para mulheres, é hoje bem mais participativo que em outros países. Forja seus planos e leva-os adiante a partir de consultas democráticas. Por isso, as posições defendidas pelo Brasil nas conferências mundiais estão agora na “vanguarda” – a exemplo do que ocorreu na IV Conferência Mundial da Mulher em Beijing, na China, em 1995, quando nossa delegação defendeu a inclusão, nos documentos finais, dos direitos reprodutivos (ou seja, os de decidir sobre o próprio corpo). Pena que o sucesso foi maior lá fora do que aqui no Brasil em relação a isso…
Por certo, nossa cultura machista ainda opera como entrave. Mas, em qualquer país, a luta cultural faz parte das estratégias feministas. Trata-se de um dos empenhos mais difíceis, porque toca no que sociólogos chamam de “poder simbólico” – o poder sobre os significados. Decerto, não foi por acaso que levamos mais de três décadas tentando, primeiro, visibilizar, para depois criminalizar a violência doméstica praticada em mulheres. Para avançarmos do “em briga de homem e mulher, ninguém mete a colher” para o “quem ama não mata”, travamos uma batalha que implica mudança de significados – uma mudança cultural sobre o poder do macho e as relações familiares.
O enfrentamento à violência é, sem dúvida, a principal atribuição do feminismo no mundo hoje. Porque esse tipo de violência é transnacional: atinge mulheres de todos os países, a despeito da classe, raça, idade, geração ou religião. Figura, portanto, como uma das principais questões tratadas pelos órgãos da ONU empenhados no avanço das requisições feministas.
No Brasil, a passagem da Lei 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, representou um relevante avanço no combate à violência de gênero. A população brasileira conhece e apoia essa legislação. Mas o OBSERVE (Observatório de Implementação da Lei Maria da Penha) – instância autônoma da sociedade civil que acompanha esse processo – tem alertado para as inúmeras dificuldades que se interpõem à aplicação da nova lei, a começar pela resistência do Judiciário em criar os juizados especiais de combate à violência doméstica praticada em mulheres, e exigidos pela Lei Maria da Penha.
A legalização do aborto como um direito sobre o corpo é outra importante bandeira dos movimentos feministas. No Brasil, desde 1940, ele só é permitido se a gravidez resultar de estupro ou se implicar risco de vida para a mãe. No entanto, mais de um milhão de abortos são feitos por ano, a maior parte em situação ilegal e condições perigosas, trazendo complicações que elevam os índices de mortalidade materna e resultam em gastos significativos para o Estado. Quem mais sofre são as mulheres pobres, jovens, negras em especial, que pagam com suas vidas pela hipocrisia da sociedade.
Sem dúvida, se tivéssemos maior representatividade de feministas nas instâncias e espaços decisórios, já teríamos conquistado esse direito. Por isso, a luta por paridade nos cargos eletivos é também um de nossos principais desafios. Um país em que as mulheres representam mais de 51% dos eleitores, mas menos de 10% dos legisladores, necessita de uma reforma política que garanta ao menos a paridade entre homens e mulheres no Congresso.
Além disso, há muito nos ressentimos de uma candidatura feminina para a presidência, que possa, de fato, levar adiante nossas propostas. Porque não basta apenas “ser mulher”, é preciso que essa mulher reconheça a legitimidade de nossas bandeiras de luta e dê continuidade às nossas propostas.
Fonte: Revista Brasileiros
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